No começo de fevereiro, enquanto pesquisava personagens para a série Mestres de São Paulo, ví um post no instagram da artista Mana Bernardes sobre a alegria de ter encontrado no trabalho de Kamori o papel perfeito para sua poesia manuscrita.
Liguei para ele esperando ter que lidar com a desconfiança / timidez que quase sempre encontro no primeiro contato com os personagens desse trabalho. Essa ia ser a primeira de algumas vezes que Kamori me presenteava com uma surpresa agradável e um sorriso. Marcamos para quinta às duas.
Nessa primeira conversa falamos rapidamente por mais de três horas.
Estava diante de um mestre. Explico. O mestre se conhece tanto quanto ao seu trabalho. Sabe que seu trabalho só melhora quando ele melhora. É tão implacável nessa busca egoísta que não tem tempo para as distrações do ego. Domina o tempo do corpo e do ofício.
Vou logo deixando claro que durante as 5 horas de áudio gravado com Kamori em seu atelier na Saúde, em nenhum momento ele mencionou o termo ‘zen’. Eu assumo toda a responsabilidade por esse clichê.
Se a pessoa é a soma de suas experiências, Kamori é um gigante. A lista de suas ocupações passadas é grande. Já foi consertador de caneta, militar, agricultor, contabilista, artesão em madeira e, há uns mais de 30 anos é artista plástico e papeleiro.
Na nossa segunda conversa falamos de tudo: música, tecnologia, educação, família, exercícios físicos, agricultura, a cidade, a colônia japonesa, arte, física quântica e também de papel. Tudo isso forma O Zen de Kamori.
Fabricar papel é uma atividade braçal, repetitiva e molhada. É preciso preparo. Para uma encomenda de mil folhas é preciso repetir o processo mil vezes. E Kamori me diz que seu preparo vem sendo feito há 15 anos no Parque do Ibirapuera. Tem um método e vai praticá-lo todas terças, quintas e sábados nos aparelhos da pista de corrida, às 9.
Fui lá e aprendi parte do método que é tão simples quanto belo e eficiente. Comece com pouco esforço nas argolas (aparelho muito completo segundo ele) dependurando seu corpo e tentando completar três círculos em pêndulo, com os pés no chão. Tente por três vezes subir nas argolas. Se for como eu não vai conseguir, mas isso não importa, afinal você está começando a ensinar seus músculos. Depois dê três pulos com os pés juntos em um degrau com mais ou menos trinta centímetros de altura. Então corra um pouco. Tente se erguer três vezes na barra. Faça três flexões. Alongue-se bastante antes e depois. Pronto, você não vai sair forte nem doído. Só um pouco mais feliz. Depois de três meses aumente um pouco os exercícios. Segundo Kamori, seu corpo vai pedir mais carga naturalmente. Agora imaginem o que ele é capaz de fazer depois de quinze anos. Vai lá conversar com ele.
Para o mesmo dia à tarde marcamos as fotos no atelier. E o resultado é esse que você vê acima. Obrigado Kamori.
Vai Lá
Além de fazer papéis nas mais diferentes gramaturas de algodão, kozo, flores, bananeira e outros materiais, Kamori ministra cursos em seu atelier.
Mais informações:
www.kamoriarte.com.br